O legado conservador
Por Fernando Grecco | 24/07/2011 | PolíticaAo longo da história da humanidade, há de se constatar que as civilizações absorvem com muito pouco entusiasmo as novas idéias políticas que surgem da mente de alguns intelectualmente privilegiados. A tendência ao conservadorismo foi um dos maiores impulsos da Idade Média, legado que modelou toda a Idade Moderna e perdura com assaz energia na contemporaneidade. Mesmo depois de Rousseau, Marx, Proudhon e Darwin, parece que a humanidade ainda opta por Burk, Bonald e de Maistre, uma vez ostentar um "sacrossanto horror à hübris revolucionária", como apregoa Olavo de Carvalho.
Geralmente, o conservador defende a inalterabilidade das formas sociais, sem considerar a possibilidade das novas idéias e tendências substituírem as formas antigas pelo fato de serem, muitas vezes, frutos da ansiedade humana como um instinto primitivo e natural de se preservar. O conservador, indubitavelmente, caminha à estagnação intelectual, moral e espiritual, agarrando-se nas estruturas do seu atraso e no temor de macular seus "princípios" e práticas.
Em poucos períodos o conservadorismo foi tão oportuno como no atual momento histórico e econômico que vivenciamos. Educa-se a juventude com vistas a valorizar a tradição, assim oprimindo a intuição revolucionária dos miseráveis que diariamente são originados pelo sistema. Há uma disposição em se difundir que a classe naturalmente conservadora é a burguesia. De fato a burguesia, como nenhuma outra classe, apropriou-se tão bem de ideais aristocráticos, tratando de moldá-los em consonância com seus interesses de natureza macroeconômica. Assim a burguesia calcifica e confere valores tradicionais para a sociedade, controlando os meios de comunicação, as escolas, a produção artística, o poder público instituído etc. Sufoca invariavelmente intelectuais marginalizados que tentam, quase sempre sem sucesso, viver uma realidade alheia a essa tão antinatural e agressiva que é imposta pela classe dominante.
Paralelamente às questões de natureza financeira, o pensamento conservador é responsável pela difusão de preconceitos de naturezas diversas. É nele que o racismo se ampara para defender teses absurdas de segregação de seres humanos com base na cor de sua cútis. É através desse pensamento anacrônico que se justifica mulheres possuírem uma carga horária de trabalho muitas vezes superior a dos homens e receberem indignos vencimentos, bem inferiores àqueles pagos a pessoas do sexo masculino. É ainda, através do pensamento conservador, que se dissemina a homofobia, práticas de violência contra pessoas cujo único pecado é amar de forma diferente. Por fim, é o conservadorismo próprio da mente de pessoas ignorantes que estreita o ápice e dilata a base da pirâmide social das diversas nações do planeta.
Dessa forma, as idéias conservadoras pautam nossas relações políticas, profissionais, pessoais, culturais, religiosas e sexuais, aprisionando-nos em práticas odiosas, vingativas, dando vazas à nossa altivez, ao nosso egoísmo e aos demais vícios humanos que cooperam para a involução de nossa espécie. O conservadorismo fecha-nos às idéias mais alucinadas, aos desejos mais devoradores, às tentações mais sedutoras, às práticas mais extravagantes e às depravações mais insanas, engaiolando-nos no inferno astral de nossas consciências, esse sim o inferno genuinamente implacável, bem diverso daquele que as religiões efêmeras pregam nas igrejas.