O EPITÁFIO DE BOCAGE
Por Luciano Machado | 15/02/2010 | Literatura Manuel Maria Barbosa du Bocage, ou
simplesmente Bocage, foi considerado, depois de Camões, a maior expressão da
poesia portuguesa.
Era o mestre dos sonetos. Embora tenha escrito odes e outros poemas.
Membro
de uma academia literária chamada Nova Arcádia, de tal modo se indispôs com
seus confrades que acabou sendo expulso e perseguido por alguns deles, que o
denunciaram ao tribunal da inquisição.
Acusado de ateu, herege e blasfemo, foi preso e torturado, e
posteriormente encarcerado numa prisão-asilo para loucos. Vejam, no entanto, o
que escreveu na prisão este “blasfemo”:
“Ó
TU QUE TENS NO SEIO A ETERNIDADE
E
GRANDE
IMUTÁVEL SER DE QUEM DEPENDE
A HARMONIA DA ETÉREA IMENSIDADE.
AMIGO E BENFEITOR DA HUMANIDADE
DA MESMA QUE TE NEGA E QUE TE OFENDE
MANDA AO MEU CORAÇÃO QUE À DOR SE RENDE
MANDA O REFORÇO DE EFICAZ PIEDADE.
OPRESSA, CONSTERNADA A NATUREZA
ÓRGÃOS DO SENTIMENTO E DA TRISTEZA.
A TUA INTELIGÊNCIA NADA IGNORA
SABES QUE DE ALTA FÉ MINHA ALMA
ACESA
ATÉ NAS ANGÚSTIAS O TEU BRAÇO
ADORA.”
Graças ao gesto de um nobre amigo,
Bocage conseguiu ser libertado. Mas já enfermo e alquebrado, acabou morrendo
nos braços de sua irmã, também poetisa, Maria Francisca.
Ele e seu irmão Gil gostavam da mesma mulher,
de nome Gertrúria, a quem Bocage dedicou lindos versos de amor. Porém tendo
Bocage se alistado numa armada, depois de passar vários meses ausente, ao
regressar encontrou Gertrúria casada com Gil. Desnorteado, entregou-se ao vício
da bebida. E é dessa fase de sua vida que se conhecem os versos obscenos a ele
atribuídos, embora um pouco exagerados por seus inimigos e detratores.
Bocage durante algum tempo foi um grande boêmio e aventureiro e praticamente
viveu sem dinheiro, mas desfrutando, sempre que possível, das boas coisas da
vida.
Tanto que, já moribundo, teria
escrito este epitáfio (parte de um soneto) para seu túmulo: “LAVRA ESTE
EPITÁFIO, MINHA MÃO / AQUI JÁZ BOCAGE O PUTANHEIRO / PASSOU PELA VIDA UM
FOLGAZÃO / COMEU, BEBEU, VIVEU ... SEM TER DINHEIRO.”
(Luciano Machado)